sexta-feira, 15 de junho de 2007

O indivíduo é SER quando VÊ...

...aí se torna coletivo!




A concepção da psicanálise lacaniana (descobri hoje) define SER humano pelo poder de FALAR. Isso mesmo! Pela fala, pelo discurso desde criança o SER é humano.

Recentemente, ganhei (do meu quiabo) o livro Ensaio Sobre a Cegueira, do escritor português José Saramago. O enredo é bem dramático, com conotações abstratas e surreais, tendo, ainda, descrições morbidamente chocantes. O simbólico utilizado durante toda a estória é demasiado intrigante, ao passo que a mesma é atemporal, dando margens a imaginações nostradamianas.

A desumanização característica provém da humanização, apercebida como o desvendamento do que realmente compõe o homem. Este sofre um regresso animalesco, quando é defrontado a uma cegueira coletiva.

Não vou aqui resenhar o livro, que me enfeitiçou pelas diversas reflexões e interrogações propostas que povoaram a minha mente ao longo da leitura da narrativa. Na verdade, gostaria de interligá-lo a alguns fatos naturais e isolados um dos outros, que presenciei ou dos quais participei. Os fatos não foram escolhidos ao acaso, aliás, nem escolhidos foram. Eu mesma já tinha a intenção de falar do livro sim, como uma espécie de resenha, mas os fatos que seguiram a leitura da obra me fizeram relembrar em relances a surrealidade impregnada na ousadia de Saramago, me transportando automaticamente à conclusão de que tudo descrito pelo gajo é real, sob o ponto da reflexão ligeiramente incorporada anteriormente.
Então, vamos lá aos fatos:

Participei (trabalhando) de uma reunião plenária, ontem, e vi empresários partirem de uma simples explanação sobre a mudança na tarifação da telefonia fixa para uma eufórica discussão sobre o atual ESTADO do estado nacional. Quem ouvisse os argumentos desses personagens e fosse partidário da ideologia de que empresários (capitalismo) são do mal, jamais acreditaria que aqueles argumentos fossem verdadeiros. Mas a discussão que tomou um rumo de desabafo, encharcado de ceticismo e, simultaneamente, de um ufanismo exacerbado, acontecia entre humanos que, pelos menos à primeira vista (audição), não teriam interesses individuais ou de classes, mas de nação.

Seguidamente, em um ponto de ônibus, quando eu estava conversando com um amigo, um homem aparentemente alcoolizado caía próximo ao ônibus, ao qual havia solicitado parada. Na hora, em que vi a queda, apenas estendi a minha mão, num gesto impulsivo (não diria caridoso), mas consciente de que o homem conseguiria erguer-se sozinho, assim como o fez. O meu amigo, achando graça da queda (natural a algumas pessoas), me pediu que eu não o fizesse rir. ¬¬ (Vou logo dizendo que ele é doido por si só, não é à toa que se chama Alma Sebosa).

No exato momento em que estou escrevendo esse texto, outro fato acontece para ilustrar o ponto aonde desejo chegar. Estou em sala de aula e um carro de som está passando em frente ao meu prédio. Ou melhor, ele parece nem passar, ele parece mesmo é estar parado em frente ao prédio e isso causa indignação em toda a turma e deve estar causando também nas demais turmas. O que as pessoas no carro de som estão gritando é algo relacionado à “vitória obtida pelos estudantes contra resoluções ditatoriais da reitoria”. Como alguns começam a reclamar, um (apenas UM) dos estudantes a favor da ‘zoada’ diz, timidamente, que todos devem ser complacentes àquela atitude, uma vez que o que estava em jogo eram interesses de toda a comunidade estudantil. Os que estão indignados com a ‘zoada’ vão dizendo “interesses de todos não. Eu quero é assistir aula e não fazer baderna”.

Bem, bem! Nas três cenas citadas, protagonistas se antagonizaram pelas forças do individualismo e da coletividade.

No livro de Saramago, a cegueira, estranhamente, branca foi coletiva, a salvo uma pessoa. Em um tópico de uma comunidade orkutiana dedicada à obra, uma das integrantes responde a uma questão (por que só uma pessoa não é atingida pela cegueira?) que inquieta qualquer leitor do livro, alegando que a única pessoa que esteve salva do início ao fim foi um artifício proposital do autor, cuja intenção prioritária seria contrapor o individualismo do ser humano, que o joga à sarjeta e ao caos, e o sentimento ao próximo, sem a espera do pagamento ou da troca, que o destina ao próprio sacrifício para a felicidade conjunta. E ela lembra, ainda, que apenas uma pessoa o fez na história da humanidade: JESUS.

Agora, se nem todos sabem, é interessante saber que José Saramago é ateu, no entanto, o ponto de vista dela é coerente (pelo menos alguns leitores do livro podem achá-lo), embora ele tenha utilizado a figura simbólica do Cristianismo e a tenha humanizado em um ser NORMAL, que enxergava, para além dos olhos.

Essa tal personagem (detalhe que não pode ser esquecido: uma mulher) que não ficou cega, ao final do livro diz: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.”

É! Em detrimento à concepção lacaniana, em que SER humano é concebido metafisicamente pelo FALAR, Saramago faz refletir sobre o VER, não com os olhos concretos e individuais, mas com os olhos da alma.

Será que os leitores do meu post já conseguiram fazer a interligação à qual eu desejava chegar? Não? Sim? Uhm...pois bem! Resolvi deixar que vocês mesmos a façam, dando ainda mais uma pequena colaboração às suas respectivas reflexões, mas desta vez de um outro autor:
“A cegueira pode ser levada tão longe que se torna grotesca, e uma natureza pouco imaginativa, se não fizer alguma coisa para a despertar, ficará petrificada numa absoluta insensibilidade, de tal modo que, enquanto o corpo pode comer e beber, e ter os seus prazeres, a alma, de que é casa, pode, como a alma de Branca d’Oria em Dante, estar absolutamente morta (...) Sabemos agora que não vemos com os olhos, nem ouvimos com os ouvidos. Eles são meros canais de transmissão adequados ou inadequados, de impressões sensíveis. É no espírito que a papoula é vermelha, que a maçã é deliciosa, que a cotovia canta.” (Oscar Wilde)


Luana Diniz
MÍOPE

2 comentários:

Luca disse...

Tatal, vou logo pedindo desculpas pela enormidade do texto...

hihihi

xêru

Anônimo disse...

é Luana, e meu espírito confessa a ti que não quer ser mais mordido pelos teus caniços!

E outra coisa, a alma sebosa não riu do homem "aparentemente bÊbado" por zombaria, riu pela tua impulsividade estacionada no comodismo coletivo que em vez de ir até ele, apenas estendeu a mão. (o que já é um bom começo...).

eu preciso de Ingrid para me defender porque ela também ri antes q as pessoas caiam...

No mais, estou gostando muito da tua criatividade textual. Você me surpreende cada vez mais com tua clareza de raciocínio na escrita. E eu estou aprendendo com Kátia Bogéa a estimular os bons profissionais pela sua competência. Espero ser seu amigo quando vocÊ estiver trabalhando para a Revista Veja. mas, é claro q serei, até porque como vocÊ manterá contato com a TVE se não por mim e com a MTV se não por polyana?

a cegueira e o ódio estão te dando uma maturidade notável e brilhante.

Estou gostando muito do resultado.

bjs

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