terça-feira, 21 de agosto de 2007

Um nó na garganta e pipas no céu

Quem de nós algum dia nunca teve uma atitude covarde e renunciou a verdade, para não ser apontado? Quem nunca teve sua moral e seus sentimentos sofisticados após um ato considerado indigno? Certamente, metade das nossas ações tem como reflexo um sentimento de arrependimento, de culpa por não ter feito diferente, por não ter pensado antes de fazer. Embora muitos sejam adeptos do lema arredio "Eu só me arrependo do que não fiz", como se o inverso fosse corriqueiro, todos vivem não-fazendo e tentando provar a si mesmos que isso não é sinônimo de covardia, mas fruto da sensatez, da sabedoria ou de algo genuíno.
Credo! Certamente, o meu leitor deve estar muito confuso com essa introdução nada introdutória e esteja achando que eu vá fazer mais um texto filosófico por aqui. Bem, bem. Digamos que esse leitor não esteja exatamente certo, nem exatamente errado. A reflexão que tentei induzir no primeiro parágrafo foi mal-feita, até porque ela foi "escrita" após uma conversa que tive no MSN, que me deu uma perspectiva de texto adversa daquela que eu pensei primeiro. Mas sim, deixando de enrolação, afinal, não é sobre os caminhos que percorri para chegar a este post que você está querendo saber. E sim o propósito da minha tentativa de reflexão. Pois, então, eu lhe digo: após alguns dias mergulhada num livro excitante, emocionante, revoltante...
(Você já leu O Caçador de Pipas? Se não leu, ao menos já ouviu falar dele, afinal, tem sido referência em romance nos últimos tempos em todo o mundo.)
Boa parte do pano de fundo do livro é o Afeganistão antes e após a invasão pela União Soviética. Os personagens? Diversos e horrivelmente humanos. Em síntese, o enredo é sobre a perseguição da culpa de Amir, filho de um afegão rico, numa relação de amizade e lealdade (que se mostra, em primeiro tempo) unilateral com Hassan, um garoto pobre de outra etnia. O romance é fascinantemente revelador de uma cultura rígida e inescrupulosa, ao passo que são descobertos sentimentos individualistas, vis e admiráveis, desenhados no desenvolvimento de uma pessoa. A culpa e a redenção são, respectivamente, os pontos de partida e de chegada de toda a narrativa.

A descrição dos locais, do contexto, dos personagens, as metáforas e tudo o que compõe a obra nos teletransporta para uma nação devastada pela loucura da guerra e, antes, de cultura simplesmente diferente das demais. Mas, como eu disse no parágrafo acima, a linha do carretel é a culpa. A culpa por trair uma lealdade inquebrantável em troca de uma vida falseada, desfeita em um sorriso testemunho do rodopiar de uma pipa cortada por outra pipa no céu.
Quando eu li esse livro, o nó da minha garganta diante (eu me senti lá) do seu ponto alto foi lentamente desamarrado em três choros seguintes até que eu conseguisse fechá-lo definitivamente e achasse que tivesse cumprido uma missão: ser cúmplice de um narrador pertubado e pertubador.

O livro é, com certeza, um best-seller e eu daria um Prêmio Nobel de Literatura ao Khaled Hosseini (este é o nome do autor), por sua maestria em desenvolver várias pipas em minha mente. Espero que os leitores deste post se oportunizem a caçar pipas dentro de si também, se desvencilhando de culpas e encontrando o perdão "não com as fanfarras da epifania, mas com a dor juntando as suas coisas, fazendo as suas trouxas e indo embora, sorrateira, no meio da noite" (pg 354).


Luana Diniz
enxugando as lágrimas

6 comentários:

Davi Coelho disse...

Luka, minha flor.
Eu li O Caçador de Pipas faz um tempinho já. Mas eu lembro que gostei muito da construção dos cenários [e o Hosseini escreve com conhecimento de causa]. Você observou muito bem a forma como os personagens são escancaradamente humanos com suas hesitações, medos, inseguranças, culpas... E a narrativa é tbm muito agradável.
É uma boa dica de leitura, sem dúvida.

Cheiro pra tu.

Anônimo disse...

Já ouvi falar desse livro, porém nunca o li, mesmo pq tenho umas quatro publicações q me foram presenteadas e estão na lista de espera p/ serem desvendadas. Confesso não ter tido muita disposição p/ leituras ultimamente, seja romance, drama, ficção ou qualquer outra categoria, mas a sugestão parece tentadora.

Me chamou especial atenção a comparação das pipas com as nossas vidas, complementada pelo desenho. Lembro de qd era garoto e passávamos "cerol" (uma mistura de cola + caco de vidro quebrado e moído - um perigo!!!) na linha e cortávamos o "papagaio" do vizinho, interceptando as manobras e abreviando seu vôo. Outras vezes, simplesmente as linhas se encontravam, emaranhavam e depois se desvencilhavam, indo cada um p/ seu lado, seguindo um rumo próprio.

E não é assim com tds nós? Se tem algo a q ninguém está imune são as pessoas. De alguma forma e intensidade, afetamos e somos impactados por elas. Não há escapatória.

Vivas a esse tal Khaled!!!

Luca disse...

Pois é, Dave. O Khaled tem conhecimento de causa dos horrores da guerra e de tda a cultura genuína e depois imposta ao país dele, mas foi exatamente a inquietude provocada pela sua admirável descrição de situação e de cenário que faz parecermos cúmplices do narrador...parece que vemos tudo, tudo, tudo. Fico feliz quando percebo que talentos na literatura continuam a surgir, com uma beleza de escrita invejável.

Não deixe de lê-lo, viu, Elca (olha a intimidade!)! As pipas são realmente como as nossas vidas. Emaranhamo-nos umas às outras, cortamos algumas com misturas tão ou mais perigosas quanto o cerol e prejudicamos a pipa do outro e nos machucamos tb com o próprio cerol.

Vivas à Literatura!!!

Se quiseres me arranjar um desses livros aê, eu keru, viu??? aceito!! hehehe

=***

Anônimo disse...

Olá Luana,

Gostei de ter visitado o seu blog e ter lido, de cara, uma análise sobre O Caçador de Pipas. Eu li esse livro assim que ele foi lançado e até dei de presente. Logo depois, ele virou febre. Antes eu achei que fosse um fênomeno de moda passageira. Para a minha surpresa, ele anda fazendo sucesso após dois anos de lançamento da sua primeira edição. O autor já lançou outro livro e estou bastante curioso para ver qual a história dessa vez e se ele vai manter a qualidade do primeiro título. Você já leu? Seria bom se você citasse este aqui também. Voltarei aqui para conferir.

Anônimo disse...

Acompanhei um pouco do seus "nós na garganta" durante seu processo de absorção do livro e fiquei angustiado só pela tua angústia.
Percebi teu envolvimento direto com o livro e lembrei de minha avó que mora em Cantanhede (cidade do Maranhão que nem conhece não sabe o que está perdendo...)!!! não entendeu? vou explicar...
Minha avó tem a mesma relação de "intimidade" com personagens assim como você teve com o livro. No caso dela, são os personagens de novela.
Numa conversa, ela simplesmente vai revelando as histórias que ela viu na TV, com seus personagens virtuais, e entremeia com histórias de pessoas da própria cidade que você acaba acreditando que ela está falando de um velho conhecido.
Tipo assim: - Minino, tu soube de Mariazinha? - o quê, vó? - minino, ela largou do marido! foi a maior confusão... - vixe! - A Taís fez a mesma coisa! mas eu me acabei de rir! - E essa Taís mora onde, vó? é filha de quem? - ô minino, a Taís da novela... esse piqueno parece que é lerdo...
Enfim...
Tou esperando tu comprar o livro pra EU poder ler e sentir a mesma angústia.

Luca disse...

Anônimos...=/
Anyway, o blog não é meu não...haushaushaus...quer dizer, não SÓ meu. Olhou direitinho aê que tem mais uns três toscos e ralados?? huhuhu...Mas sim, eu tb te confesso que me surpreendi c a febre. Por onde eu passava algm tava c esse livro nas mãos e, como (venhamos e convenhamos) a maioria de nós tem receio dos modismos, achei q fosse um best-seller de meia-tigela...mas estou orgulhosa de ter lido mais um livro muito bom...ei, meu culéga...O Caçador de Pipas, que eu li, não era meu e esse outro do Khaled eu ainda não o li não. No entanto, como bem citou meu companheiro blogueiro acima, eu comprarei O Caçador pra mim, só para poder relê-lo novamente. Qt ao outro...sei não...Ah, Alberto! Realmente, eu me envolvo mto com os personagens que leio...sei lá...me revolto, me entristeço, reflito...mas essa é a magia da literatura...

=****

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